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ESCRITA CRIATIVA - INICIAÇÃO
(curso trimestral)
Este curso propõe explorar um conjunto de técnicas estimulantes envolvidas no acto de escrever. Projectar, reflectir, visualizar, ficcionar, contar, narrar, são vitais. E escrever é o "leitmotiv"!

Através da exploração activa de modos singulares de escrita, procura-se criar uma visão alargada dos processos criativos, recorrendo a material desbloqueador que, ao mesmo tempo que expande o imaginário, o conduz e apoia.

Pretende-se provocar a imaginação com a prática da escrita nas suas múltiplas faces: projecções pessoais, despertar sensorial, monólogos, subversões criativas, surrealismos, argumento cinematográfico, grelhas narrativas, personagens, ficções, leituras encenadas, entre outras.

O objectivo é expandir o potencial inventivo e experimentar um campo enorme de possibilidades de diferentes registos e estilos.

Formadora: Carlota Gonçalves

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PARA LER
'A CASA ERRADA' #1
Por José de Sá Afonso
(2020; mote / A Casa Errada de Gonçalo M. Tavares; 100 palavras)


​Era uma vez uma casa errada
Redonda
Com duas pessoas
duas portas
Quatro janelas
Que ia rodando devagar
Pelo mundo redondo
E errado também
As duas pessoas que lá viviam
Nunca se viam
Nunca dormiam
Nunca nada
Pois a casa não parava de rodar
Foi assim que decidiram
As duas pessoas
e em separado
Que iriam se enforcar
Porém quando as duas
subiam para a cadeira
a casa rodava
A corda se soltava
E Nenhuma das duas se enforcava
Mas o mundo queria ser justo
E errado ou não
Gritou
Pum pum pois pois
Dêem uma pistola a esses dois 

'a CASA ERRADA' #2
Por Maria Manuel G. J. Henriques
(2020; mote / A Casa Errada de Gonçalo M. Tavares; 5 páginas)

'a CASA ERRADA' #3
Por Marta Hortêncio
(2020; mote / A Casa Errada de Gonçalo M. Tavares; 108 palavras)


ERA UMA VEZ UMA CASA ERRADA…
Era Redonda, Amarela,
Única e Maravilhosamente Alta.
Viviam Euclides e Zacarias,
Unidos Mas Afastados.
Costumavam Andar a Sobrenadar sem Água para
que Enérgica e Rapidamente  Rodassem o Aerogerador, Dando Andamento
Eléctrico à Residência. A
Única Maneira deste Aerogerador
Varrer Esta Zona era
Utilizando Músculos para Alcançarem
a Claridade. Assim, Suavam, Alegremente
Entretidos, Rindo e Rolando, Abdicando do Descanso Abençoado
de Estarem Reformados. Agora, na
Utopia, Mergulharam Acordados na
Vida, Encharcados e Zonzos,
Ultrajados na Monotonia Assaz de
Concretizar Aquele Sonho de Adquirir
o Espaço Realizado, Renunciando Ao Descanso da Alma
ERA UMA VEZ UMA CASA ERRADA… Será que está assim tão errada?
​
'a casa errada' #4
Por Paula Rodrigues
(2020; mote / A Casa Errada de Gonçalo M. Tavares; 592 palavras) 

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​​A Casa
guarda-chuva
guarda-sol
  
Era uma vez uma casa errada… porque, lá dentro, tinha um sol tórrido das quatro da tarde e uma escada para lugar nenhum.

Contava-se que a casa tinha sido construída por um homem doente de amor.

Era um casalinho a começar a vida. Juntos, numa casa pequena e remediada da periferia da cidade, faziam planos, antes e depois do dia de trabalho. O futuro interessava-lhes.

Mas ela resolveu partir, num barco da Marinha Mercante. Ali, tudo lhe sabia a pouco e precisava de mar.

O que mais lhe doía, a ele, é que ela nunca lhe perguntou se ele também queria partir. Acreditou num instinto falhado, soube-o ela depois. Ele teria ido com ela. Também precisava de mar, só que de menos.

Desde esse dia, ele passou a tiritar de frio, um frio interior, sem cobertor que o pudesse aquecer.

Diz-se que no espaço periurbano da cidade, ainda não absorvido pela urbanização, ele começou a construir uma casa. À medida que a casa crescia, o interior aquecia. Lá dentro passou a não haver manhãs frescas, ou noites cheias de brisa. Só as quatro da tarde, de um dia de verão.

Morreu lá dentro, sem se aperceber que o corpo ardia em febre. Cabelos e lábios brancos, ambos cheios de sede. Ela voltou tarde demais, quando o pó já lhe enchia os sulcos do rosto. Já o tinham levado. A porta estava fechada e ninguém mais saiu ou entrou. Gostava de lá ter estado com ele, para lhe dizer que viveu como quis. Só um frio tão grande a impediu de ser feliz. Tão grande…

Vieram cientistas de Edimburgo, especialistas em fenómenos paranormais, poltergeists e energias telúricas. Mediram a temperatura à volta da casa, estudaram a composição do terreno, tiraram conclusões racionais, mas não ousaram abrir a porta.

A casa, erguida pelas mãos do homem, foi sendo engolida pela cidade e esquecida.
 
................................................
 
Eu e o Pedro estávamos enamorados. Tínhamos 20 anos e o futuro também nos interessava. Fomos dar um passeio. Aquele dia de Março estava bonito. Tinha chovido e o arco-íris insinuava-se no céu.

Vimos a casa e a porta aberta. Não tínhamos medo. Apenas curiosidade. O sol estava tórrido, como às quatro da tarde de um dia de Verão. Tivemos de abrir o guarda-chuva e ficarmos os dois debaixo dele. Estávamos unidos e protegidos por um guarda-chuva - guarda-sol. Mas não a salvo.

Tão crédulos do nosso amor, demorámos a ver as escadas para sítio nenhum. Quando nos sentámos, no último degrau da escada e contemplámos o sol radioso, já estava a anoitecer e a brisa entrava pela casa adentro.

Depois desse dia, voltámos muitas vezes, já sem guarda-chuva – guarda sol. Não era preciso. Tudo lá dentro era ameno, confortável, ludibriante. Chamávamos à escada o “Miradouro Gira – Sol”. E adorávamos as vistas de cada degrau, a cada posição.

Cada um seguiu a sua vida, cada um rumou à procura do seu sentido. Não era um amor incondicional, nem era preciso. Era um amor de juventude, cheio dessa verdade infinita, em que tempo e espaço são um só.

Quando, finalmente, compreendemos a história da casa, da sua sede e da sua febre, já esta estava saciada e pronta para sucumbir definitivamente à voragem da grande urbe.
 
................................................
 
Era uma vez uma casa errada… sobre a qual já ninguém se lembra quem a construiu, quando ou porquê, porque um dia os apaixonados fizeram dela uma casa certa… e deixou de existir.

Parece que a escada para sítio nenhum ainda lá permanece, erguendo-se como chama ardente na selva urbana.

'a casa errada' #5
Por Petra Oliveira
(2020; mote / A Casa Errada de Gonçalo M. Tavares; 240 palavras)


​Era uma vez uma casa errada

Errada?!, quem disse que é errada, porquê?!


É uma casa cheia de piada, bem desenhada, cuidadosamente pintada, muito apreciada, porquê errada?!


O senhor Ramada, escolheu-a assim para a sua amada, D. Eduarda, senhora muito empertigada.


Toda a vizinhança ficou pasmada,


-AHHHHHHHHHH, esta casa é errada! Será assombrada?!, que grande macacada, que ideia disparatada!


Errada?!, errada, porquê?!


Está bem acabada, tem uma bela fachada, tem uma proporção equilibrada e uma dimensão adequada e, aos donos tanto agrada, adoram o seu lar de pernas para o ar,  que gente danada!

A D. Eduarda, desvairada com a infernal vizinhança, só de a ouvir se cansa, ”apre, ouvem-se em França!”, julgando tudo à sua semelhança, que insegurança, que herança; enfia-se no seu automóvel, imóvel, cercado no telhado, sonhando em fugir, montada numa lança, p´ra lá do Cabo da Boa Esperança!

O senhor Ramada, esse, empoleirado na janela, desesperado, sentindo-se, permanentemente, questionado, já mal  humorado, já danado, sei lá, banzado!, pensando para si, “ isto só filmado!”.

De repente, soa uma forte badalada, aparece uma fada, montada numa arrojada nortada, toca a casa, que logo fica endireitada!

O senhor Ramada e a D. Eduarda, arriscaram-se a uma vida encantada, caíram numa situação pesada, sentiram-se envoltos em geada. Esqueceram-se de ser hábeis, discretos, tiveram que aprender; ser espertos, andar com as mãos no chão e os pés apontados ao tecto, em modo secreto e aí, a vizinhança sossegou por completo!
​

'a coluna vergada'
Por Jéssica Ilfu-Soi
(2019; cartas de Nougé; 241 palavras)


A coluna vergada toma a forma de arpa, verte água no teu ventre contraído, não deixes fugir a criança faminta que mama o teu âmago amargo, porque te ama e não sente o sabor. Sente a sentença de um fado torcido no limbo entre o corpo e o espírito que derrete e mescla os dois, formando uma densa massa que se espalha na estrada ao longo da curta caminhada que julgas nunca mais terminar e ali está, à beira da água pura, o vestígio do reflexo, aquele já não o mesmo, fragmentado que se recusa a ser reconhecido, coberto de remendos, marcado de cicatrizes, latejantes latidos que perfuram o tímpano e dão lugar a micro explosões semânticas que quebram para sempre o nexo das palavras proferidas pelas bocas daqueles que te amam e que agora jazem por debaixo dos teus pés. Com eles foram-se partes de ti, algumas delas tentaram agarrar-se aos teus tornozelos mas nem os teus restos sobram. Tu aí terminas, partes-te em pedaços não coletáveis, sem morfose. Colides no solo e com um último resquício de força, imploras que te saciem a sede e de longe avistas água.

Languidamente escorregas em direção àquele freixo que tão distante se apresenta e com a ponta dos dedos arrastas aquilo que resta do teu morto corpo. Próximo, cada vez mais. Ela escorre e parece que serpenteia na tua direção. Toca-te e permanece ali, inerte como que a observar-te.

O medo acabou.
​
'a cozinha'
Por Marta Hortêncio
(2020; memória sensorial / infância; 7 páginas)

'a grande catedral'
Por Camilla G. B. Amaral
(2020; proemas; 138 palavras)


A grande catedral de Gent, monumento símbolo da cidade, tão imenso, se tornou tão pequeno, cabendo na palma da mão de uma criança.

Coberta por uma redoma frágil de vidro, torna-se solitária, perto dos demais monumentos da cidade, que neste caso, não passam de pinturas talhadas num suporte, que ergue a catedral e, também serve de encaixe, para a redoma se fixar.

As estações mudam com o passar do tempo, é Verão, Primavera e Outono. Não importa qual seja, o Inverno permanece dentro da redoma, fazendo cair insistentes flocos de neve, que nunca derretem, nem levam o frio para dentro da catedral.

Tão pequena, tão frágil, tão solitária e, estranhamente, tão perto, tão diferente da real catedral, apenas possuindo de igual a sua arquitetura gótica, esculpida neste caso em pequenas proporções e imersa numa redoma, onde sempre neva.
​
'a primeira coisa'
Por José Valério
(2020; memória sensorial / infância; 374 palavras)

​
Quando Raúl chegou à praia, a primeira coisa que fez foi percorrer o areal descoberto. Não se lembrava de ter visto uma maré tão baixa! Pequenas poças salpicavam a superfície dourada da areia, entrecortada por ribeiros minúsculos que nasciam entre a rochas e ziguezaveavam na direção do mar. Parou junto a um deles, baixou-se, e com as mãos em concha, levou um pouco de água à boca. Era doce!

Subitamente, o corpo de Raúl começou a ficar mais pequeno. Ele era de novo uma criança. Então, correu e pulou sobre os pequenos riachos que se juntavam aos canais profundos e assustadores, onde a água era escura, certamente escondendo criaturas venenosas. Pés pequenos, pequenas conchas. Tantas conchas nas mãos e os bolsos cheios, o que fazer? Ninguém se importa! Despiu o calção de banho e colocou o seu espólio na areia. Deixou-o ali mesmo e continuou a percorrer a superfície prístina da praia. Encontrou algas exóticas, caranguejos eremitas, estrelas do mar e, naquele dia, um achado extraordinário: uma garrafa com uma mensagem – e se fosse o mapa de um tesouro? Era um troféu para ser exibido e cobiçado pelos seus amigos. Raúl tomou um banho de luz. Uma poça de água entre as rochas revelou-lhe um universo que cabia num aquário. As algas coloridas escondiam pequenos peixes com olhos grandes e camarões transparentes. Cuidadosamente, mergulhou os pés na água morna. Um peixe e um camarão avançaram timidamente e mordiscaram os seus dedos. Um caracol deslizou sobre o pé e ele ficou a observá-lo. De repente, uma onda fez transbordar o seu aquário. A maré estava a encher. Os peixes e os camarões escaparam e desapareceram sob o lençol de água que cobria rapidamente o areal. Naquele momento, Raúl lembrou-se da trouxa de roupa que improvisara para transportar as conchas. Era tarde demais para recuperá-la, porque a força da corrente já a teria levado pelos canais que desaguavam no oceano. Nu, correu para casa. Depois de um banho quente e do almoço, Raúl afundou-se na cama. Na penumbra do quarto, encontrou esmeraldas e espadas nos naufrágios que pontilhavam o fundo do mar. No seu sonho, era novamente a hora da maré baixa e ele corria na direção do horizonte com o mapa do tesouro na mão.
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'a rua tortuosa...'
Por Paula Rodrigues
(2020; cartas de Nougé; 659 palavras)


A Rua Tortuosa é a minha jugular. Da cabeça ao coração ou do coração à cabeça, são tantas as dúvidas que me assistem. Penso com que órgão? Como os ligo? A rua tortuosa não é a minha vida inteira. Mas são os momentos em que a realidade dói, em que escrevo aos tropeções, como um rio exaltado e revolto. A água que bate nas pedras, faz ricochete, espalha-se e volta a mergulhar no seu leito. Já não inteira, já sem pedaços de si, mas pronta para se juntar a outras gotículas e voltar a embater… A rua tortuosa é como a minha aorta, quando o sangue irriga aos tropeções, o bater do meu coração. São muitas artérias, muitas ruas tortuosas e quero pensar que, no caminho, há entroncamentos e interseções… até mesmo rotundas, para voltar uma segunda vez, ou terceira, ou quarta. A rua tortuosa é a maravilha da imperfeição, a possibilidade única que a vida, o rio, nos dá de caminharmos no meio ou na margem, de nos deixarmos ir na corrente ou na torrente, de não escolhermos levar tudo a direito, às direitas. A rua tortuosa é a nossa marca de humanidade. O nosso delírio. O nosso medo. E por causa dela valorizamos as esquinas onde nos encontramos, os abraços, os beijos, a pele, os olhos nos olhos. Por causa dela, apreciamos sentar e descansar… ganhar novo fôlego e voltar à luta.
 
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A Noite sem Contorno é clara. Tem uma luz esbranquiçada a caminho da madrugada. A noite sem contorno é o dia de todas as possibilidades, é o futuro a fugir das trevas, a ensaiar um mergulho na água fresca e límpida. A Noite sem contorno é o aconchegar da lua e o espreguiçar do sol, naquele raro momento em que se fundem, em que são virtude, em que tudo é esperança. Não há opacidades, não há cores primárias, não há excessos… tudo é translúcido. As penumbras não são sombras, não são pecado, não são enxovalho. São a luz a brotar, a tatear, a experimentar o melhor ângulo, o melhor ponto de vista. A noite sem contorno é a primavera que sai do longo inverno, em viagem até ao verão. As madressilvas em flor nos matagais da nossa existência, nos terrenos baldios da nossa vida… trepando por nós adentro com o seu perfume adocicado. A Noite sem contorno é a escrita e a reescrita diária. A forma a libertar o conteúdo. A ciência e a religião apaziguadas, uma longa treliça em equilíbrio. A noite sem contorno é a leveza em estado puro…  forte e resiliente!  
 
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Mas Eu que Aqui Estou… pergunto-me que sentido têm as perguntas sem resposta. Porque as fazemos? Para quê? Porque nasci eu neste tempo, neste país, nesta família? Porque fui projeto de duas pessoas? Mas eu que aqui estou… de que me servem as perguntas se nunca terei as respostas? Será que fazemos mesmo as perguntas para as quais já temos uma resposta? Mas eu que aqui estou… levanto as mãos para os céus e digo em voz alta que gosto de estar aqui, colecionando as minhas penas e pedras. Fazendo colagens, colocando coisas de pernas para o ar, rindo-me do ridículo, guardando com mãos de artista as pequenas pérolas da vida. Mas eu que aqui estou… nada mais sou do que uma mulher a dias… uns dias mais para lá, outros mais para acolá. Estou sempre AQUI. Mesmo quando me ausento para outros destinos. Esta obrigação de partir e de regressar… este vaivém de mim para o outro, de um lugar para outro lugar, de mim para mim, é a minha liberdade. É a resposta à pergunta sem resposta. Neste país à beira mar plantado, os meus campos de batalha não têm guerra nem fome de pão nem sede de água nem valas comuns nem credos impostos. Mas eu que aqui estou… também sei das minhas lutas, dos meus lutos e das minhas ânsias… bem guardados em gavetas acolchoadas de cetim!
​
'a saída'
Por Ivo Nunes
(2020; narrativa / personagem redonda; 8 páginas)

'as pequenas árvores verdes'
Por Mafalda Figueiras
(2019; memória sensorial / infância; 594 palavras)


Nesta terça-feira, há dourada grelhada com batatas, cenouras e brócolos cozidos.

Eu adoro brócolos, mas não sei explicar. Gosto deles quando são cozidos, mas quando têm picante afasto-me.

Talvez não seja pelo sabor. Acho que está ligado à memória que o seu sabor me traz.

Comia-os à terça-feira e agora, é como se tivesse arranjado uma máquina do tempo e voltado ao passado. Ainda me lembro muito bem do dia.

Estava na casa dos meus avós, na sua cozinha pequena com uma janela enorme ao fundo da divisão, armários com pratos e tijelas atrás, onde eu estava sentada e uma televisão pequena ao lado do frigorifico branco, a dar os desenhos animados da tarde da RTP2.

Tinha por volta dos sete anos eram as férias de verão. Os meus pais ainda estavam a trabalhar, tal como a minha avó e tia, e o meu avô devia estar no café do senhor Zé, ao lado. Por isso, nesse dia quem tomou conta de mim e do meu irmão Hugo foi a nossa bisavó Adelaide. Estava na hora do almoço e ela tinha feito peixe cozido com batatas, cenouras e brócolos cozidos. Sentei-me no lado oposto do meu irmão na mesa. Quando a Avó nos pôs os pratos à nossa frente, fiquei repulsada com a monstruosidade verde. É assim. Quando era pequena, era muito picuinhas com o que comia. Ainda sou, mas já não sou tanto e irão ver porquê.

O meu irmão já tinha comido o prato todo e ia voltar para a sala jogar, mas a avó Adelaide parou-o e disse que só podia sair da mesa quando eu tivesse acabado. Agora é que eu tinha de comer mais rápido para o Hugo jogar.

A suavidade e a moleza das batatas, e o sabor do peixe com o azeite misturava-se na minha boca a cada garfada que dava. Estava a comer o prato todo como um aspirador limpa o pó.

Menos os brócolos. Porque pareciam relva e au não era uma ovelha ou vaca. Quando disse à avó que tinha acabado de comer, cometi o maior erro para a vida da pequena Mafalda, naquele momento. Eis o porquê! A Avó Adelaide, apesar de já ser velhota e baixa, é uma mulher dura de roer, que esforça-se ao máximo para chegar ao seu objectivo. Por isso, quando ela viu que deixei os brócolos todos no prato, ficou chateada e não me deixou sair da mesa sem ter comido todos os brócolos. É claro que fiz birra e comecei a chorar mas, lembro-me da minha avó dizer:

“Se continuares assim, vais ficar aqui até os teus pais chegarem!”

Acho que ela sabia que eu não gostava de desiludir os meus pais. Bem jogado, Avó!

Por fim, cedi e dei a dentada mais pequena que a minha boca, de de sete anos, podia fazer. Ao ver isto, a avó Adelaide reagiu: “Come mais rapariga! Não é assim que se prova comida!”.

Lentamente, fui comendo, e a cada mastigação ficava surpreendida pelo seu sabor. Era como cenouras, mas verdes! Sabor diferente, mas muito bom!

No final, comi todos os brócolos. A Avó perguntou-me: “Então gostaste?”.

Se gostei. Acho que tinha adorado. Não só pelo sabor, mas por ter comido todos os brócolos de uma vez.

Quando os pais chegaram, gabei da minha conquista com a ajuda da Avó. Ainda me lembro, muito bem, do dia. Não só por ter aprendido a gostar mais de vegetais, mas por ser uma das memórias mais marcantes e preferidas que tenho com a Bisavó Adelaide.

Eu Adoro-a, muito, tal como adoro brócolos!

'caibeal'
Por John Bancroft Hinchey 
​(2020; narrativa / personagem redonda; 489 palavras)


A tradição é solta; tradução possível de lugar-comum num sítio raro, babilónia do norte onde entre ruas e romarias se encontram vícios e cortejos, virtude e corrupção, nenhuma mais ou menos sincera que a anterior. Tantos anos devagar para acabar aqui, capital roubada a um império triste, cidadela cruel que arrasta para dentro de si as vontades dos homens ao seu redor.

É precisa uma certa coragem para correr a noite destas horas, saber muito bem onde se pretende ir – melhor ainda o que se faz caso de encontrar. As direcções, tal como os provérbios, tinham sido vagas; tomadas a boa fé de um estranho a troco de meios minutos de conversa; falíveis, como se vinha agora a descobrir. Chegar ao centro pelo arco, tomar a dobra da quinta esquina até ao centro do Bairro Pobre, descer pela curva da austeridade, nunca confundir os metais das portas – cobre para os momentos quentes, chumbo para os esforços de fortuna; algures, entre a carne e a ambição, umas horas poucas de conforto como só o cinzento-branco de estanho poderiam garantir. Não há mais a quem pedir conselho, com quem partilhar o desespero de viajante que não vê como chegar ao seu destino, e se milagres houvesse, dá-se um ao tactear os granitos e madeiras das paredes de casas sem fim – até sentir ao toque – onde recolher.

A porta ressente-se do bater surdo, cinco golpes lentos com o peso de quem procura entrada, e que só duas vezes repetidos se prestam ao decifrar do código de admissão – um puxar de obstáculo para longe, ombreira que se esvazia para mostrar um vermelho negro da parte de dentro. Perante, o proprietário prometido; figura monástica numa indumentária de saco, arrogante pela modéstia que demonstra, curiosa pelo olhar que está a lançar.

“Foi dito que há abrigo para uma noite.“

 “Por uma noite; não mais.”

E aceitando, são minutos poucos entre o pousar de fardos e o recolher a uma sala interior, forrada a pó e caixas, onde uma pequena mesa redonda recolhe duas figuras deslocadas num diálogo discreto. Num canto, outra pequena mesa com livros e uma criança a roer pão; finalmente, o espaço destinado à hospitalidade desta noite, completo pelo trazer tardio de uma taça de latão. Conteúdo: indeterminado; uma sopa de qualquer espécie, carregada de pimenta e caldo escuro. A observação do par à entrada gera uma sequência de pensamentos fáceis – também eles neste albergue, visivelmente donos de outras posses; também eles dados a sucumbir à firmeza do sono e à facilidade de trancas leves; uma oportunidade tida como “demasiado óbvia para desperdiçar.” Outro chavão, decerto; mas o ditado é democrático, dá-se pela lei da maioria. Esperar duas horas, combater o cansaço; investir.

“De onde?”, questiona o porteiro num interesse amável, interrompendo planos. Não sendo conveniente uma verdade inteira, oferece-se uma parte dela. “De perto; deste país, ainda.” E confrontada a relutância da resposta com um breve silêncio, há que discorrer: “De quem?”
​
'Chuva'
Por José Valério
(2020; narrativa / personagem redonda; 564 palavras)


​Deixem a morte tocar-me ao de leve, se ela assim o desejar. Chovia. Raúl saiu à rua. A roupa colada ao corpo, a água fria na pele. Momentos antes, deixara-o a dormir no sofá, colocara o gato enroscado no colo e tapara-os, carinhosamente. Antes de sair, regressara por uma última vez ao pé deles para compor o cabelo que tapava os olhos de Francis. Fechados, num rosto sereno, morto, pensou Raúl. Depois, desceu as escadas que conduziam à rua e caminhou pelo passeio. A chuva redobrava de intensidade. Sentia saudades dos dias em que Francis se deixava tocar, primeiro ao de leve, na ponta dos lábios, e depois na face, nos cabelos sedosos e, por fim, quando os olhos seguiam as mãos que contornavam o pescoço e paravam sobre os seus ombros, ele sorria. Nas casas alinhadas ao longo da rua, e nas varandas debruçadas sobre o passeio, Raúl via os rostos que o olhavam. Inexpressivos, atentos, mas sem ver, absortos na leitura de um livro talvez, ou simplesmente fechados, Raúl imaginava-os como os cegos que se colocam à janela para ouvir, mesmo sem escutar as vozes e os ruídos na rua. Mortos talvez, pensou Raúl. Francis despia-se lentamente e colocava a roupa dobrada nas costas da cadeira. Demorava uma eternidade, e depois sentava-se na cabeceira da cama. O corpo era fibroso como o dorso de um jovem potro. A água corria velozmente pela berma. Já não levava detritos nem folhas secas, despojos dos veraneantes e das árvores que se despiam do verão, e corria límpida, com reflexos prateados de céu refletido. O desejo impaciente fazia-o tremer. Raúl sentava-se ao seu lado e abraçava-o. Ficavam ali juntos, até sentir o calor do corpo passar de um corpo para o outro. Os dedos eram lábios e as mãos eram palavras. Um remoinho escondia a abertura no solo por onde a água descia para se juntar a centenas, a milhares de rios subterrâneos que seguiam na direção do mar. Raúl parou debaixo de uma árvore para se abrigar. Tocou no tronco. Era liso e macio como a pele de um jovem potro, pensou. Teria estado a caminhar durante quanto tempo, perguntou-se? Com Francis, as tardes eram sempre mais longas, parecia-lhe que as horas se atrasavam. Quando já só conseguia ver o contorno do corpo desenhado sobre o quadro das janelas abertas, Raúl imaginava que lá fora, no crepúsculo caindo rapidamente, talvez se vissem algumas estrelas. O casaco estava completamente ensopado e a roupa colara-se ao corpo. A água brilhava sobre a pele dos sapatos. Com as mãos nuas, Raúl puxou para trás o cabelo que lhe caía sobre o rosto. A visão de um homem vestido com um casaco, e que caminhava há horas debaixo de uma chuva intensa, era seguramente estranha, mas quando Raúl olhou para as janelas das casas em redor, viu que os rostos não olhavam para ele. Eram inexpressivos, estavam atentos, mas sem ver, talvez absortos na leitura de um livro, ou simplesmente fechados. Eram como os cegos que se colocam à janela para ouvir, mesmo sem escutar as vozes e os ruídos na rua. Estão todos mortos, concluiu Raúl. Deixem a morte tocar-me ao de leve, se ela assim o desejar, disse em voz alta. Quando sentiu que lhe tocavam no ombro, estremeceu e voltou-se rapidamente. Francis olhava-o, sorriu e puxou-o para junto de si. Protegidos pelo guarda-chuva, regressaram a casa. 
​
'clarice, a mulher bicicleta'
Por Paula Rodrigues
(2019; narrativa / personagem redonda; 246 palavras)

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É uma mulher elegante e moderna, culta. Tem pose e estilo - o arrojo dos anos do pós-guerra, no lenço vermelho e na pele clara dos seus ombros desnudos.

Sonha a cores.

A trovoada que se vai abater sobre ela é desejada; os raios de luz já se descobrem, por entre as grossas nuvens cinzentas, em que se transformou a sua vida.
Não é a floresta que a anima, mas o espaço largo do mar. Persegue a linha do horizonte.

Não quer a vida a preto e branco, matizada de cinzentos. Tem a leveza segura de quem sabe que vai partir.

Está surpreendentemente equilibrada, para quem pedala uma bicicleta sobre as ondas espumando na praia.

Nunca abandonará o sonho. Sempre viverá por ele. Ainda está aqui… por pouco tempo.

Clarice tinha uma boa genética – costumavam dizer-lhe. O seu rosto iluminado e o seu corpo ginasticado iludiam os seus 35 anos de mulher madura. Talvez porque não tivesse dores de amor. Pedro amava-a e ela correspondia.

Tomámos uma má decisão – pensa agora - adiar o projeto dos filhos para investirmos nas nossas carreiras.

A doença apressou-lhe o passo e já não tem tempo, a não ser para si. Não precisa de Pedro, ou acha que não. Mas precisa urgentemente de partir.

Maturou a notícia. Pedro vai ficar a saber hoje, não da doença, mas da partida. Ele quer partilhar com ela as dores e os dias difíceis que aí vêm, mas não pode. Clarice escolheu morrer sozinha!

'conta-me'
Por Clara Santiago
(2019; narrativa / personagem redonda; 322 palavras)


​Nascera da terra, da terra seca que há muito esperava...

Esperava o beijo translúcido, pesado e fugaz. O beijo que certo dia caiu dos Céus, em rompante.

O beijo, há muito esperado, entranhou-se pelo solo, que rapidamente te fecundou.

O feto era argiloso bloco de barro, escorregava pelos cumes e esculpia longos membros, dunas e fendas.

Fanaú (1). A primeira, a única.

Cor de café e canela convidas-te o toque do sol que te deu sopro. Negros olhos castos corrompiam pela primeira vez este pedaço de terra.

Raízes enfermas apoiaram os passos desaprendidos de Fanaú e como que no balanço da maré, encontrou o seu poiso. Uma cama, duas almofadas e um lençol, bordados à mão pela agulha do tempo.

O seu comprimento casava a modesta altura de Fanaú e o perfeito encaixe convidou, de imediato, a queda suspensa. Absorta no horizonte acolchoado, os negros olhos adormeceram de novo.

As suas finas lianas segredavam profecias e, como que uma cobra faminta, devoravam a cama. Fanaú era agora colcha e aquecia, dormente, o sono. O veneno de cobra, depressa paralisou a consciência, embriagada em proféticas quimeras.

Tudo ou nada passou. As lianas arrepiaram caminho. Agora descoberta, a pele quente de Fanaú acordava ao som de arrepios em gota.

De novo as duas fendas revelaram a noite, a noite que de Fanaú aos céus se adiantou. Os amarelos rapados diluíram-se em violetas e azuis. A réstia lembrança de luz era apenas proferida pela cama de hibiscos incandescentes.

Só assim te encontrariam. Ela que tanto te anseia. Chegou.

- Conta-me

- Conta-me o sonho

As palavras de Fanaú silenciaram na certeza do crepúsculo e sem se ouvirem cantaram o voar de pássaros brancos.

Hoje aprendeu a voar.

Pohe (2) voltará no próximo crepúsculo e no cair das consciências viverá por instantes.

Fanaú.

O sonho que adormece na sua inócua existência e a morte que desperta em vida.

...................................................

(1) Fanaú, “nascimento” em Tahiti
(2) Pohe, “morte” em Tahiti
​
'CORTINA DE FUMO'
Por Maria Manuela G. J. Henriques
​(2020; narrativa / personagem redonda; 8 páginas)

'deambulações'
Por Jéssica Ilfu-Soi
(2019; deambulação sensorial; 211 palavras)


Na inércia do tempo encontrei a vertigem familiar que corre em espirais e forma labirintos que ocultam saídas estreitas. Nas reentrâncias e esquinas instala-se a inquietude do que se espreita no passo seguinte, o que nos espera para lá daquela linha imaginária que separa o atual do iminente futuro. A aguardar a sua aparição na próxima fração de segundo, debruça-se um vislumbre amedrontado, daquele que espreita por curiosidade mas teme o que a sua vista poderá alcançar. A inexistência de uma nova proximidade abate-se como um colosso e esmaga o que reside por debaixo. O ónus penetra nas bases do corpo, calcando-as em sentido convergente ao subsolo. Ausência de luz instala-se, a respiração perde o habitual compasso, a periferia da visão desaparece. Um túnel. O calor exala das minhas narinas, humedece o lábio superior que com compulsão procuro limpar, as mãos também se assumem molhadas, ainda mais. Procuro o chão, tenho noção da sua presença mas não o consigo alcançar, os movimentos não saem conforme seria expectável. Caminho. Sentar-me não é agora uma opção. Um pé antecede o outro, algumas repetições do processo e sinto-me a sair do lugar. Vazio, vácuo, oco sem eco. O tato fica dessensibilizado, o corpo existe mas os seus membros assumem-se fantasmas. Uma cadeira por favor.
​
'desmaio'
Por Ivo Nunes
(2020; mote / A Casa Errada de Gonçalo M. Tavares; 15 páginas)

'DICIONÁRIO PESSOAL'
Por Elsa Félix
(2020; dicionário pessoal; 77 palavras)


GIZAR
Verbo transitivo. Ação mental do pensamento para a mão. Com pó de giz. Desenhado na ardósia, gravado no coração. 
 
TEMPO
Substantivo masculino. Senhor irredutível. Matemático de olhos vendados. Parcimonioso e Solene. Som doce e cronometrado no pulso. Na parede. No ecrã do PC. Não gosta do desperdício nem do excesso! Presença elegante na vida dos Homens, e tantas vezes incompreendido. Aprecia ser sentido e estimado.
 
A sua passagem filtra o inútil, o excessivo. Mede o essencial. 

'É SÁBADO'
Por Inês Nunes
(2020; memória sensorial; 425 palavras)


é sábado. uma luz fraca invade o quarto e eu abro os olhos. o tempo lá fora não está para brincadeiras. o vento assobia, as árvores abanam, os chapéus dobram-se e partem-se, até que se desista deles. um céu cinzento, amontoado por nuvens desejosas de chorar intensamente. é sempre assim. é final de novembro. não sei que idade tenho. as memórias confundem-se. este, aquele, ou o ano seguinte.

é sábado. acordo, não por causa do barulho da chuva, ou do trovejar da tempestade que se aproxima, nem mesmo porque a luz entra no meu quarto. abro os olhos porque um cheiro conhecido me invade as narinas e o burburinho do início de um dia assim, começa a assobiar-me aos ouvidos. abro os olhos, mas fico quietinha, a apreciar aquele momento, o meu momento. do outro do lado do quarto, a minha irmã ainda dorme. eu? eu só sinto a excitação da festa invadir-me o corpo. do outro lado do quarto é só o som da respiração que se ouve, de alguém perfeitamente descansado.

é sempre sábado. porque é ao sábado que as pessoas se conseguem juntar, conversar com calma e apreciar a vida e a vida de umas com as outras. vai ser um rebuliço. vamos correr pela casa, vamos gritar e cantar. vamos jogar a jogos inventados na hora e rir. vamos criar memórias uns nos outros.

é sábado. e antes de acordar, fecho por uns momentos os olhos. os cheiros invadem-me. coco, leite, farinha, margarina, tudo anda no ar. sei que a minha mãe já se levantou e já começou os preparativos. não preciso de ir à cozinha para saber isso, ou ter a certeza de que ela está lá. a cozinha veio até ali, onde eu estou a acordar e inundou a casa. sei que as queijadas já estão no forno e os bolinhos de côco devem estar a arrefecer em cima da mesa, à espera que as cerejas os completem.

é sábado. é só cheiros e sons. não são precisas palavras. fecho os olhos e quase parece que estou lá, no meio dos tabuleiros, a espalhar as cerejas por cima de bolos que não como; a partir as nozes para se misturarem no chocolate da mousse; a descascar os primeiros camarões, que vão salpicar o arroz na panela e que se misturam com o verde da salsa; a ser invadida por todos aqueles cheiros, que me fazem lembrar como era simples a vida naquela altura e como aquelas pequenas coisas me enchiam de uma felicidade que eu não percebia.

é sábado. 

'entendes?'
Por Maria de Lurdes Fonseca
(2020; mote / gosto, não gosto; 5 páginas)​

'me myself and i'
Por Inês Nunes
(2020; mote / gosto, não gosto; 369 palavras


Escrevo às escuras. É assim que gosto de fazer, por vezes. O olhar perdido nos pensamentos e os dedos a percorrerem o teclado em busca das teclas certas. Não gosto quando falho as teclas que queria carregar, nem quando me faltam as palavras para escrever o que me vai na alma. E não gosto quando as palavras vêm numa avalanche e depois se perdem todas no meio do nada, nem uma sobra para contar a história.

Gosto de escrever, mas nem sempre tenho vontade ou ideias. Gosto de escrever o que me vier à cabeça e de poder fazê-lo sem pressão, sem fim de tempo à vista. Não gosto quando me dizem que tenho que escrever um texto em dez minutos. Parece que antes de começar, já se esfumou. Gosto de pintar e de tudo o que é relacionado com arte. Faz-me lembrar que o mundo pode ser bonito, se o virmos com esses olhos e que tudo tem a interpretação que cada um quiser. Gosto de usar pastéis de óleo, para poder passar os dedos pela pintura e sentir a sua textura. Não gosto quando os riscos e as pinturas não são no sítio certo e de repente parece que a folha ficou esborratada, ainda que os borrões sejam quase imperceptíveis. Não gosto quando as pinturas não ficam perfeitas, ainda que a perfeição seja apenas uma mera abstracção no meio das palavras.

Gosto de estar sozinha. Mas não gosto desta solidão que nos consome. Gosto de ser eu, no meu canto. Mas não gosto que o eu esteja assim tão longe. Gosto de escolher. Se hoje fico em casa, se saio, se vou ao teatro, se vou ao museu, se vou comer sushi. Gosto de ser livre. Mas sei que esta liberdade tem de ser limitada neste momento, e eu aceito. Gosto de poder pensar que estou a fazer a minha parte. Não gosto que os outros não façam a sua parte. Não gosto que os outros não cumpram o que lhes é determinado.
​
Gosto de gostar e de não gostar. Um mundo de escolhas sem sentido e sem direcção. Um dia uma coisa, noutro dia outra. Quem sabe? É por isso que se gosta. E não gosta.

'gosto, não gosto" #1
Por Elsa Félix
(2020; mote / gosto, não gosto; 365 palavras)


Não Gosto da chuva ventosa e raivosa, que despenteia cabelos, ensopa roupa e testa a frágil competência do chapéu-de-chuva. Gosto do frio das manhãs orvalhadas, plenas da luminosidade assertiva e lírica dos pássaros, que desafiam a gravidade, os telhados, e o corre-corre dos transeuntes. Não Gosto das buzinadelas, atreladas aos impropérios dos heróis do alcatrão. Gosto da carícia terna da chávena de chá, no quiosque, no café, no salão de chá. Não Gosto do Social por ser, do beijo oco do cumprimento, do faz-de-conta que “está tudo bem”; da Rede Social com notícias, ideias e palavras gastas no beco sem sentido, alimentadas no “porque sim, porque os outros fazem também! Porque os outros têm também”! Gosto das mãos enconchadas no rosto, texturadas pela carícia. Não Gosto da mesa posta com desalinho e desamor; do guardanapo descomposto, do empregado que nos faz um favor; do talher atirado, da sandes desorganizada, da alface mal dobrada, do queixume da cenoura e da lamúria da fatia de tomate, que cumprem um destino com espírito de funcionalismo público. Gosto da luminosidade que, na casa desarrumada ou arrumada, com livros no chão, na estante, nos cantos, papéis espalhados, complicados ou simplificados, se espraia nos vidros, nas janelas, nas paredes, no chão e no sorriso de quem lá vive, na sua pele, nos seus cílios, nos seus cabelos. Não Gosto da pressa, arrepanhada nos compromissos, no chinelar da soca, no Tic-Tac do sapato, no crepitar do salto, no esgalhar do rosto, do carro, do autocarro, do comboio, no berro da fila de espera. Gosto do livro que se abre à minha frente, novo ou velho, com as folhas por desbravar, num roteiro desconhecido, carnificado por personagens arrebatadas pelas emoções, amarrotadas nas circunstâncias e redimidas no sacrifício. Genuínas. Entregues. Vivas. Corajosas. Não Gosto da SMS, MMS, e outras que tais, de circunstância, a cumprir num ritual, o funcionalismo dos afetos, o relógio da ocasião e o mandatário do Parecer - Bem. Gosto do que é Velho e dos “Velhos”. Gosto dessas árvores talhadas pela Vida, texturadas pela passagem do Tempo, com filhos, netos e bisnetos nas suas copas, com histórias nas pregas da pele e memórias nos rios que lhes percorrem o rosto. 

'gosto, não gosto' #2
Por Rui Freire
(2020; mote / gosto, não gosto; 211 palavras


Gosto tanto de carbonara, que tenho vontade de comer todos os dias, como tenho vontade de não ouvir mais música em colunas nos transportes públicos. Claro que passo bem, se ficar um dia sem comer carbonara, como passo igualmente bem, se ficar um dia sem ouvir música nos transportes públicos.

Não gosto muito de me levantar cedo, gosto mais de dormir até tarde. Acordar cedo dá sempre a sensação de obrigação e aprisionamento, já acordar tarde traz um sentimento incrível de liberdade que é logo desfeito com a voz da nossa mãe a entrar pelo nosso sonho adentro: “Não achas que já são horas de levantar!? Estás de férias ó quê?”

Mas o que eu não gosto mesmo é de ervilhas, ainda por cima inventaram um prato chamado “jardineira”,  onde não falta são ervilhas. O prato de jardineira é tão mau como a própria roupa jardineiras, que por acaso até fica bastante cómico ver alguém assim vestido e com aquele chapéu de jardineiro a condizer, isso, por acaso até gosto de ver.
​
Sabem o que não gosto mesmo? De ter trabalho. A preguiça é uma qualidade que combina muito bem comigo. Dá trabalho ter trabalho, mas no final até gosto, quando o resultado aparece. Mas volto a insistir, porquê tanto trabalho? 

'lembra'
​Por Clara Santiago
(2020; memória sensorial / infância; 235 palavras)


Tenho o hábito de me lembrar no toque. É recorrente a viagem da minha palma pelas planícies desta casa.

Às vezes encontro-te, silencioso inquilino. Frio ao toque, esculpido em mim.

E, de novo, sinto-me lá.

O céu, quente e húmido, daquela ilha, dançava envolto nos aromas por degustar, as batatas mais doces que beijos em flor, aguardavam no forno. O meu pai, decerto preso na lua cheia que o sobrevoava, apagava a minha chamada.

Separava-nos a pedra fria demarcada das longas escadas sem corrimão.

Escondidas na noite apalpei-as com a imaginação, mas ao aproximar do toque depressa fugiram dos meus pés. Sem poiso coreografava em queda um lento bailado.

O tempo estendia-se e eu espectava, como que de fora, o meu corpo
cambaleante.

O regresso ao chão trouxe-me um âmago aperto na garganta, que distorcia gritos assustados. Vieram todos na instância.

A minha cabeça chorava e pintava-me de vermelho ferroso.

Pietá deita o filho que não lhe pertence na maca vazia.

Aproximavam-se ao meu olhar, cirúrgicas mãos, mãos delicadas, que em movimentos gravados descosiam histórias vividas.

Ecoavam pela sala baleias devoradoras de homens, a imensidão do mar, a pequenez do homem.

No cessar do derradeiro ponto guardaste esse mundo em mim...

Agora em casa, no quente abraço dos meus, dispo a pele vermelha e repouso no cansaço anestesiado.

Sempre que o mar se revolve sinto as linhas do lembrar e mergulho pelas escadas do antes.

'livro'
Por Carlos Aleluia
(2020; proema; 225 palavras


Imponente, tomba com estrondo, quando as suas faces frontais ou traseiras colidem com o chão, ecoando o fechar de mil portas em dominó. Pode ser de todos os tamanhos e feitios, mas ainda assim, a versatilidade da sua utilidade, goleia a diversidade do seu formato. É uma melodia que demora tempo a ser composta: anda para a frente, depois volta para trás, logo caminha para a dianteira, de seguida estagna na sua posição, no final rasura-se tudo e volta-se a recomeçar. Não interessa quantas vezes tenha sido examinada à lupa, o seu inventor, encontra sempre forma de acabar os últimos retoques na pintura, até ser forçado a parar de vez. Quando esta obra de arte toca os olhos, seguem as colcheias pela partitura, guiando a imaginação da mente para outro lugar. É objeto de sonho. Sonha com ele o escultor, o aprendiz e o admirador de obras-primas. Nasce nesse plano do imaginário, para lá das barreiras do impossível. É trazido para uma existência de carne e osso, a custo de muito trabalho e sacrifício, para logo ser devorado a uma velocidade muito superior à rapidez de confeção do chef. Quando se dá a derradeira viragem, volta a perecer no esquecimento. No entanto, reza a lenda que se a sobremesa ficar na retina, o seu paladar escapa-se para a memória e sobrevive lá para a eternidade.

'mas a raiva'
Por Sónia S. N. Gonçalves
(2020; cartas de Nougé; 216 palavras)


Chronos é a raiva. Eu conheço Chronos. Esse deus primordial que engoliu os filhos ou as pedras que julgou serem os filhos.

Atirar pedras é raiva. Eu tenho pedras nos meus bolsos. Carrego pedras que atiro, a espaços, contra alvos que me enraivessem.

Ah, a raiva! Como a amo e a odeio!

Amo a raiva que sinto, porque me faz sentir viva, plena de energia, capaz de engolir o mundo e parir outro, mais a meu jeito.

Odeio a raiva porque me mostra a bruxa ao espelho. Dentes aguçados, ossos salientes e olhos encovados, desejosa de estripar, cortar a carne do outro, dos outros.

Uma bruxa tão velha quanto o mundo é mundo. Tão velha que pariu Chronos, senhor do tempo, engolidor de filhos.

Se Chronos é raiva, eu sou sua filha, tamanha é a raiva que muitas vezes, demasiadas vezes, me consome, queimando as entranhas e os pensamentos.

Sou filha de Chronos! Temei-me!

A minha raiva será fulminante ao cair sobre vós!

Sou filha de Chronos, o enraivecido, que busca a vingança e engole os seus próprios filhos, por desejo de ser o único a governar o mundo.

A sua raiva corre-me nas veias, alimenta-me quando tenho fome e orienta os meus actos homícidas, eu que choro todos os dias por ser orfã de pai.

'memória sensorial da infância'
Por Rui Freire
(2020; memória sensorial / infância; 383 palavras)


​Acontece-me sempre. Toda a vez que me vem o cheiro a éter ao nariz, parece que de repente sou uma criança outra vez, algures no hospital, a caminhar naqueles corredores,  como se fosse um prisioneiro no seu último dia de vida. Todas as cores parecem cinzentas, o frio está lá presente, mesmo que não esteja, para me intimidar mais, mas eu agora sou um gajo de 28 anos. Por que raio este sentimento? Já não é suposto ter medo de agulhas, “é só uma picadinha” diziam-me sempre, mas nunca era.

Estou agora sentado num banco, à minha volta só vejo material médico e de enfermagem, mas sinto sempre que está ali, algures, um estojo de um psicopata assassino sanguinário,  que mata as suas vítimas com todo o tipo de objectos cortantes. É o cheiro a éter, mas não só. Aqueles materiais ainda dentro do plástico, aqueles que a médica ainda vai abrir, aqueles que ainda estão à espera de fazer a sua primeira vítima. Ainda estremeço quando oiço o barulho do plástico abrir, o meu corpo a petrificar e o meu coração quase que me sai do corpo, quando vejo aquela agulha, impiedosa pronta a trespassar-me o braço.

Agora lá estou eu, há meia hora a agarrar-me ao banco e a olhar para o lado, de olhos fechados, à espera que passe rápido. Aquela agulha teima em não se despachar, mas quantas embalagens são precisas abrir? Esse barulho dos plásticos lembra-me, também, a vez em que parti a cabeça. Estava assustado, para ajudar vejo uma tesoura a ser retirada de um plástico (lá estão os plásticos outra vez, seguem-me para toda parte). Mas a médica disse-me que não me assustasse, que a tesoura não cortava nada. Querendo tranquilizar-me, pega num bocado de um fio de plástico, daqueles que só vemos em etiquetas das roupas e corta-me aquilo como se de um fiozinho de tecido se tratasse. O medo, aí, instalou-se completamente no meu corpo. “Eu quero que me fechem o golpe na cabeça e vão-me buscar uma tesoura!?”

O que me tranquiliza, no final disto tudo, é poder comer uma sandes de panado, num dos cafés do Hospital Santa Maria. O sabor, o cheiro de fritos, de cozinhados na rua, está a dizer-me:
​
“Já passou, está tudo bem. Agora descansa aí um bocado.”

'não gosto'
Por Tânia S. Ferreira, cosmonauta na galáxia do verbo
(2019; tropismos;  132 palavras)


​Não gosto de pesadelos!
Ele há acordares
repletos de nuvens negras que nos deixam perdidos em manhãs angustiantes;
O mundo continua a rodar e nós temos de encaixar
o que o nosso inconsciente andou a desarrumar:
Filho da Mãe!
Ele é casas destruídas com escadas bamboleantes,
uma árvore ao centro envolta em areia,
água escura por toda a paisagem infinita
num mar cinzento que nos consome o respirar.
Fachadas incompletas povoam o olhar em escombros,
catedrais desfeitas em pó;
Acorda-se e ficam lá!
Debaixo da camada da pele;
Queremos despi-los, arrancá-los, cola-se, colam-se…e o dia passa!
Só a gargalhada macia e aguda de um velho amigo
nos faz partir o espelho.
Como um raio de sol quente, o coração aquece,
chega-se a casa,
toma-se um banho de mar e ajeita-se o cabelo!

'o fazedor de brumas'
Por Nuno Garcia
(2020; narrativa / personagem redonda; 156 palavras)

O homem alto, de ombros descaídos e fato cinza, percorria sempre as ruas mais sombrias e viciadas da cidade. Esta conhecia-o desde sempre. Voz grave, equalizada pelo fumo e whiskey rasco, olhos negros, que encerram em si a solidão de uma vida inteira, à procura de uma paixão.

Entrava nos mesmos bares em busca de melancolia e introspeção, de conversas frugais com quem falara dos mesmos assuntos, vezes sem conta, na esperança de, um dia, encontrar quem tenha lido o mesmo livro, ou tenha visto o mesmo filme. Os seus cabelos,  curtos e grisalhos, denotam uma vida infeliz e sempre no limite do abismo.
​
A cidade continuou a seguir a imagem do fazedor de brumas, nas noites frias, tal era a sofreguidão com que expirava o fumo de um cigarro, enrolado com as próprias mãos, até um dia lhe perder o rasto, depois de o encontrar deitado, sem sentidos, numa das ruas sombrias que sempre percorrera.
 
'o não de luísa'
​Por Sónia N. S. Gonçalves
(2019; narrativa / personagem redonda; 308 palavras)


Luísa marchava a caminho do gabinete. Os saltos dos seus sapatos martelavam o chão de tábua corrida, fazendo eco nas caras espantadas dos colegas.

Luísa vestira-se para o trabalho que queria ter, todos os dias, desde que entrara naquele escritório de advogados. Vestira-se para ser chefe! Todos os dias calças. Calças clássicas, masculinas, de listas sóbrias. Blusas escuras de seda, sobre as quais caíam casacos de fato, aprumado, arrumados, vincados, sérios. Apenas os sapatos denunciavam a sua feminilidade vulcânica. Sapatos vermelhos, só na aparência, masculinos, cujo tacão marcava ritmadamente o seu passo ao longo do corredor até ao gabinete.

Luísa, batera com a porta da sala de reuniões, onde o chefe, o seu mentor, a havia chamado, para dizer que outro a tinha batido na corrida pela chefia do departamento. Não outra mulher. Um homem. Um homem baixinho e barrigudo, que aliava lábia a almoços regados a álcool, para conquistar clientes, amaciar juízes e procuradores.

A bílis de Luísa havia explodido: PUM!

Subira a cadeia hierárquica a sangue, suor e gasto de vista, tantas foram as noites dedicadas a ler processos, sentenças e outros dramas jurídicos, secos e áridos. Luísa acreditara que a ética, o conhecimento fundamentado, a atitude sóbri e a verve assertiva a levariam ao sucesso. Mas não!

O mesmo homem que a havia contratado, apoiado, ensinado e amparado ao longo das longas épocas de domínio masculino no escritório, deixara-a cair.

Preterida, Luísa deveria ficar submissa ao barrigudo Augusto. Augusto, astuto-fajuto, chamava-lhe Luísa. Por isso, não! Jamais ceder nos princípios. Luísa cedera no vestuário, no corte de cabelo – que caía clássico, sobre os ombros – cedera na maquilhagem ligeira e blusas escuras, nunca decotadas. Cedera em tudo, menos nos sapatos vermelhos de tacão alto e sonoro, que marcavam a sua marcha em direcção ao futuro incerto, que a esperava amanhã, quando acordasse solitária, também na sua profissão. 
 
'o prego'
Por Maria de Lurdes Fonseca
​(2020; narrativa / personagem redonda; 14 páginas)

'o senhor roberto'
Por Petra Oliveira
(2020; narrativa / personagem redonda; 245 palavras)


Faz muito tempo que o senhor Roberto se aborreceu, a valer, com o Felizberto, o Humberto e o Adalberto. De razão se sentia coberto, jamais se portou como um Chico esperto mas, o que é facto é que agora se sente no deserto, boquiaberto!

Olho castanho, de enorme tamanho, cabelo louro, tal e qual ouro, para sua mãe um verdadeiro tesouro! Sua mãe sempre lhe ensinou - “falar é prata, calar é ouro“, não quis saber, o louro, duro que nem couro!

Ai, Roberto, Roberto, não estiveste desperto, isto é tudo tão incerto, tão difícil dar certo.

Dentro da sua casa, certo dia, em brasa, foi tudo de asa, o Felizberto, o Humberto e o Adalberto - “a porta da rua é a serventia da casa”, assim se arrasa, assim se extravasa.

E agora, Roberto?! Agora o deserto, ai Roberto, Roberto, não fizeste caso. A tua mãe tinha-o como certo, e agora ?! Agora o deserto, pois é, Roberto!

​Chega Abril, sensação primaveril, Roberto aproveita para ser gentil, procura o Felizberto, o Humberto e o Adalberto, ciente de que tudo dará certo, sente-se liberto!

Atitude agradável, admirável, recomendável, fugir ao deserto, desejando que tudo dê certo e, de forma perspicaz, zás, trás, pás, sem marcha atrás, foi capaz, um ás!

Esperto, o senhor Roberto, de novo com o Felizberto, o Humberto e o Adalberto, por certo, de alegria coberto!
 
Ai, Roberto, Roberto, “falar é prata, calar é ouro”, guarda como certo, meu menino de ouro.

'o sol'
Por Carlos Aleluia
(2020; cartas de Nougé; 324 palavras)


​A luz do sol brilhava nos seus olhos, feitos de cetim azul marinho. Mergulhando neles, o reflexo solar iluminava todo o ecossistema aquático. Cardumes nadavam de um lado para o outro, golfinhos davam piruetas, à superfície do mar. Estrelas do mar, faziam competições de corrida contra alforrecas. Borboletas, dançavam em torno das suas orelhas, cada uma tocando suavemente, à vez, no delicado brinco de ouro, que se equilibrava pendurado no lóbulo. O brilho do ouro atraía, também, outras fantasias: periquitos, chilreavam ao redor dos seus longos cabelos castanhos, de onde pequenos duendes poderiam deslizar e brincar a tarde toda. Até a brisa se parecia render àquele cenário, fazendo tréguas e, apenas, beijando levemente as suaves pontas, cor de chocolate, para as elevar ainda mais. A sua voz tranquilizava, cerrando as cortinas das pálpebras e incitando ao descanso. Dava lume para o fogo que aquece o interior e oferece musicalidade ao exterior. Concentrando-se nas palavras, elas deslizavam por entre os dedos sem que se lhes fosse capaz de captar o significado. O seu valor permanecia, somente na harmonia com que envolviam o ambiente. E o seu cheiro. Ah, o seu cheiro. Pequenas fadas, traziam rosas numa bolsa à tiracolo e abanavam-nas abundantemente. Se encontrassem algum recanto cujo perfume ainda não tivesse alcançado, apressavam-se a corrigir esse insignificante defeito e tornar ainda mais perfeito o momento. De entre as rosas, um travo a mar espalhou-se e tingiu os tecidos da atmosfera. Uma nódoa cuja lavagem não se pretendia, cuja presença para o infinito temporal era antes encorajada. Um beijo seu ordenava a todos os relógios que ficassem sem corda. Um feitiço charmoso chamava para si toda a atenção passada, presente e futura. Infelizmente, um dos relojeiros era cego, surdo e mudo e não ouviu a instrução: o tempo não parara. O momento escapava-se e essa fuga tinha sido detetada, já tarde demais. O alarme soou, um crime havia sido cometido. Não era possível regressar àquele paraíso.

'o vento sobre ti'
Por Tânia S. Ferreira, cosmonauta na galáxia do verbo
(2020; cartas de Nougé; 190 palavras


O vento sobre ti, escorre em escamas, propensas
a vísceras douradas e infernais;
Pego no martelo e bato…penduro o coração!
Choro, choramos.
Abre-se a torrente e abrem-se os braços
                                                   ao amor, e ao fervor.
Vejo-te sentado no alto,
em ti estás,
estás derreado com tudo o que acontece neste mundo,
não sabes o que fazer com os teus filhos
Tens as mãos na cabeça e os pés de molho
                                                   numa taça de barro,
sentado, bebes o vinho do teu sangue,
perguntas: O que fiz eu?
Sorris, amas, aceitas, inventas o pó que
​                                                  nos envolve o tempo,
segura-lo com a mão direita e abençoas o verbo;
o coração abre e o leão ruge…a brisa leve sopra com
                                                   amor em ti, em nós.
Perdemo-nos e ansiamos o teu abraço.
Suspiras…o teu respirar embala-nos docemente
                                                   enquanto o tempo
cura e resolve,
doce e límpido…feroz e lento,
rápido e mordaz.
O tempo és tu, somos nós
somos nós em ti.
Vivo, mergulho,
escrevo palavras com a tua caneta e revelo,
revelo-me
revelo-te…revelo a fotografia em que sempre estiveste.
Esforço-me em torno,
ando à volta e mastigo o tempo.
De que côr é o tempo?

'palavras da tua boca'
Por José de Sá Afonso
(2019; cartas de Nougé; 115 palavras)


Palavras da tua boca 
Nunca ouvi 
Senti apenas os teus dedos 
Na minha caixa do silêncio 
Senti o teu gosto áspero
A tua língua macia 
E o aperto de posse 
Dos teus dentes 
Mas palavras tuas 
nunca verdadeiramente ouvi
Eu 
Que te dei o meu gosto 
Com todo o gosto 
Que parecia que meu gosto 
Era o teu também 
Tu  que nunca viste para além 
Da coisa nova 
E por isso 
Quando deixei de ter gosto 
Deixei de poder saber o teu 
Eu 
que palavras tuas nunca tive 
Tive apenas e no nosso fim 
o teu sopro para o chão 
Mas em silêncio...
Eu ....
Que sou apenas uma pastilha elástica
Sonhadora das tuas palavras 

'pegadas'
Por Petra Oliveira
(2020; narrativa / personagem redonda; 206 palavras


Com uma cabeleira farta, ainda, um olhar lúcido e profundo, um homem muito rico, partiu, de mãos a abanar, para um outro mundo.

Num dia frio e soalheiro, com o seu composto sobretudo, de chapéu, o que melhor lhe assentava e com uns cómodos e muito bem engraxados sapatos, seguiu, cabisbaixo e inseguro, para lá do muro, num verdadeiro e sufocante  apuro.

Cansado de viver a vida, personalidade difícil, características antagónicas, pessoa irregular, oscilante entre a zanga e a brincadeira, a prepotência e a generosidade, a simpatia e a dureza, o charme e a arrogância, o humor modesto e o sarcástico, sentia-se desgostado, talvez arrependido, também ofendido,  bastante envelhecido.

Privado de bons momentos, dos seus negócios, dos seus belos almoços, dos seus enormes charutos, dos seus Whiskeys velhos, das suas viagens frequentíssimas, dos agradáveis e, já, familiares hotéis; de prazer, já nada tinha a perder.
​

Deixou escapar, a sua sombra já não abarcava, a enorme vergonha das suas limitações, descontrolaram-se as emoções, não era homem de orações.

Não havia quem, nem coisa alguma que lhe valêsse!

Ficaram as suas pegadas, bem delineadas, umas bem encastradas, outras mais apagadas, algumas mais arrojadas, outras tantas bem orientadas e tantas, tantas outras, foram blindadas e ainda por ele, arrastadas.

'premeditação'
Por Cecília Ferraz
(2019; escrita automática; 204 palavras


O teu rosto espelha o horror... chuva e trovões... travagem e derrapagem... som impactante... luzes no escuro nem sempre são bom augúrio! Repito: um carro entrançado na folhagem sequiosa de árvores assassinas não é Natal de boas vindas! Ele e ela, vindos contigo de um qualquer forrobódó noturno, envenenados de álcool e erva pela tua própria mão... como foi possível desdenharem, insensíveis, da ténue escapatória de sobrevivência?

O teu rosto... cambalhota rocambolesca, premonitora de vertigem... Et voilá! Esgar forçado de uma tristeza siamesa... lágrimas de crocodilo... para que as quero? Puxas do cigarro, impas de renovada confiança e enganas a sorte... Pois claro, tu e o teu carro sem um arranhão... voyeur silencioso, carrasco anónimo... O teu rosto visto à luz manhosa dos faróis acesos, indicia, agora, o início de uma celebração profana. Dás o braço à sordidez, vestes as roupas da hipocrisia e saltas para o assento com a rapidez de uma chita! O teu rosto... por fim a satisfação podre do amante traído, a maquinação escabrosa da vingança, a avaria motora premeditada... pirueta fatal, pontapé para o vazio surreal! O teu rosto, só eu o vejo e tu não sabes... mas, claro, tu és a besta e o teu rosto é real!

'quadro surrealista'
​Por Nuno Garcia
(2020; escrita automática; 207 palavras)


A porta abre-se, o céu vermelho sangue rasga a noite, como se de um trapo velho se tratasse. Meretrizes vendem cabras, que podiam ser suas mães; pederastas esfregam o chão que o diabo pisou. Ao longe, gente seminua, ensaia um hino mudo em Dó menor, enquanto arrasta os pés assentes em nada. As vozes põem-me surdo.

Lembro-me dos dias, em que o mar e o céu eram em tons laranja, dominados por criaturas que planavam no vácuo. Eram tempos em que as pessoas dançavam tristemente, em cima de árvores acabadas de arder.

Neste preciso momento releio o que escrevi e temo estar a entrar numa selva que não tem fim, que me suga o sangue amarelo torrado, a cada palavra que escrevo.

Eram os dias da glória humana, agora tudo definha. São 22:51h e anseio pelas 22:56h. Não sei porquê, afinal o caminho continua, mas à cabeça já não me vem o oxigénio que afluía há uns minutos.

Volto ao quadro. Dou mais umas pinceladas, duma cor que não existe, para que fique ainda mais dramático. Só falta acabar com uma morte branca, para fique ainda pior. Não sei… talvez seja melhor morrer do que ver o mundo em tons carregados.
​
São 22:56h. Vou juntar-me ao coro.

'recordações da infância, memórias'
Por Cecília Ferraz
(2019; memória sensorial / infância; 207 palavras)


​Estava sentada no extenso varandim, virado para o mar, aproveitando o sol do meio-dia. Acabara de fechar o livro que escolhera, um romance histórico sobre o pós guerra. Levantei os olhos, captei um som insólito, uma apelação intemporal, algo de dejá vu que me inundou de incongruência e alastrou sobre mim derrubando os limites do esfumado contorno da memória. Esbocei um movimento de maior auscultação e pareceu-me perscrutar sensações e trajetos já percorridos. Desta vez, deixei-me levar pelo desejo de incursão na aventura do recordar. Sim, esta visão era clara... o som das cigarras, uníssono e tremendo, a proximidade do odor marinho, o sol dardejando sem piedade aquele caminho descendo até à água, bordejado por altos e eretos ciprestes... Sim, as imagens inevitáveis inerentes a este dia da infância, a casa de praia, o corte abrupto daquele verão de doces dias. Senti-me transportada por desconhecidos devaneios que, por qualquer razão, me conduziam a uma agitação súbita, a uma recordação fantasmática, usurpadora de prazer. Um silêncio de pesadelo retribuiu-me a chave do mistério... a morte... a morte do pai naquele mar de safira. Num arrojo de bravura rejeitei o acenar da dor e fechei-me às portas das recordações. Abri novamente o livro querendo, obstinada, preservar o presente perfeito.

'retrato de sónia chaves'
Por Ruth Nova
(2019; narrativa / personagem redonda; 285 palavras


Sónia Chaves. Um nome comum, 57 mil pessoas com este nome em Portugal, mas esta Sónia não era mais uma Sónia qualquer.

Para quem não a conhece, até pode pensar que sim, mas isso é porque não sabem que ela tem o poder da cura desde os 3 anos.

Nesta idade, enquanto passeava com os pais no Porto, entraram numa exposição da Paula Rego, e a pequena Sónia ficou fascinada.

​Olhava os quadros, com a felicidade e entusiamo que o seu cão Pollock tinha quando lhe davam um biscoito.

Sónia, estava tão excitada que começou a correr na galeria…

Correu, correu, cada vez mais depressa, até que tropeçou, bateu com a cabeça no chão e ali ficou estendida por uns breves minutos.

Dali, foi transportada para um sonho que parecia realidade, e a pequena Sónia viu-se já adulta, num campo de girassóis (a sua flor favorita), toda vestida de branco, irradiando uma luz celestial.

Os cheiros da terra, das flores e do campo, inebriavam-na, até que viu Pollock a correr: um homem aproximou-se dele.

Os dois caminharam até Sónia e esta ficou estupefacta! Era Picasso com o seu Pollock!

Os seus olhos não acreditavam no que via. Picasso disse-lhe:

“Olá Sónia! Consigo sentir o que te vai no coração e vou contar-te um segredo.

Quando voltares para a Terra, vais pegar num pau de carvão e desenhar.

Vai ser difícil ao início, mas eu sei que é este o teu caminho.

Acredita no que te digo!”

Sónia esboça um sorriso.

Quando lhe vai responder, ele dissolve-se em mil borboletas que voam pelo campo de girassóis, livres, soltas.

​“Pollock”, diz Sónia. “Quem me dera ser tu por um dia e compreender o que estás a pensar…”

'retrato'
Por Mafalda Figueiras
(2019; narrativa / personagem redonda; 203 palavras)


Mesmo que veja a Mafalda Figueiras todos os dias pelo espelho, ainda não a conheço muito bem. Sei o aspecto dela. É uma rapariga baixa que precisa da pinça do esparguete para agarrar outra garrafa de leite. Um cabelo enorme encaracolado como uma juba de leão. Madeixas azuis que lentamente tornam-se verdes e perdem a sua alegria. Nele podia encontrar-se objectos e coisas que ninguém está à espera. Cara pálida como a neve, com olhos grandes e castanhos como madeira ardida. Nariz e lábios pequenos que ficam rosas no inverno.

Parece uma rapariga normal, mas ela nem sempre sabe quem é. Com roupas largas e confortáveis é uma animadora; com vestidos grandes e sabrinas é uma atriz; com roupas pretas e calções é uma amante da música; com phones e blusas é uma fã de jogos; com camisolas de mangas compridas e calças de fato de treino é uma rapariga com ansiedade. Vejo-a todos os dias, com todos estes aspectos. Fala como se estivesse no palco, animada como um desenho animado, competitiva cada vez que joga, dança ao som da música e chora da sua ansiedade.

Olho-a nos olhos, pelo espelho e pergunto-lhe:

- Quem és tu?

​E por enquanto não recebo resposta.

'salvação'
​Por Camilla G. B. Amaral
(2020; cartas de Nougé; 157 palavras)


Salvação que almejo todos os dias, procuro em todos os lugares mais prováveis, para manter minha sanidade. Mergulho num mundo imaginário, onde não quero acordar.

Salvação pouco estranha, através da dor, decorando o meu frágil corpo com mensagens e desenhos da  minha mente. Escrevo nos cadernos as vidas não vividas, os seres inexistentes, noite e dia, me mantendo lúcida, longe do existente  medo que me consome.

Salvação, sonho com uma seringa que me libertará de casa, me levará para onde desejo conhecer, país longínquo onde minhas inspirações nasceram.

Salvação que talvez eu procure numa simples garrafa de Somersby, acompanhada de um anime da minha infância, tendo o encontro das duas eu’s: a adulta paranóica, com a criança corajosa.

Tento me abstrair, me afundar ainda mais no universo de ilusões, me abrigar onde não existe, enquanto a tempestade devasta a realidade.

​A salvação concreta está longe do meu alcance,  enquanto a minha salvação é apenas manter minha lucidez.

'só há felicidade na minha solidão quando volto à minha infância num dia de verão'
Por Paula Rodrigues
​(2020; memória sensorial / infância; 7 páginas)

'as facam brilham...'
Por Ruth Nova
(2019; cartas de Nougé; 113 palavras)


As facas brilham na sua glória celestial de poder…

Poder que dá vida.

Poder que tira vida.

Energia de luz e de escuridão.

Não! Não são as facas, na realidade, é quem as empunha.

Assim, como em tudo, é sempre o que decidimos fazer com as coisas que lhes dá um ou outro significado.

Bom ou mau, ou, assim assim… Seja como for, elas brilhavam, esplendorosamente, orgulhosas do seu sentido de missão cumprida, embrenhadas na energia do coelho fofinho que acabaram de esventrar.

- Filhota, já temos almoço! – disse a mãe.
- Obrigada mamã! Mas não sou capaz de comer esse almoço.
Não te preocupes, eu como só os vegetais! – disse a filha.

Imagem
PARA OUVIR
'a CASA ERRADA' #2
Por Maria Manuela G. J. Henriques
(2020; mote / A Casa Errada; 4')
'A casa errada' #3
Por Marta Hortêncio
(2020; mote / A Casa Errada; 55'')
'A GRANDE CATEDRAL'
Por Camilla G. B. Amaral
(2020; proemas; 1' 22'')
'a primeira coisa'
Por José Valério
​(2020; memória sensorial / infância; 2' 43'')
'a rua tortuosa...'
Por Paula Rodrigues
(2020; cartas de Nougé; 4' 31'')

'a saída'
Por Ivo Nunes
(2020; personagem redonda; 6' 08'')

'clarice, a mulher bicicleta'
Por Paula Rodrigues
(2020; personagem redonda; 1' 51'')

'desmaio'
Por Ivo Nunes
(2020; mote / A Casa Errada; 11' 13'')

'dicionário pessoal - gizar'
Por Elsa Félix
(2020; dicionário pessoal; 12'')

'dicionário pessoal - tempo'
Por Elsa Félix
(2020; dicionário pessoal; 34'')
'é sábado'
Por Inês Nunes
(2020; memória sensorial; 2' 53'')

'gosto, não gosto' #1
Por Elsa Félix
(2020; mote / gosto, não gosto; 2' 45'')

'mas a raiva'
Por Sónia N. S.
(2020; cartas de Nougé; 1' 22'')

'me myself and i'
Por Inês Nunes
(2020; mote / gosto, não gosto2' 24'')
; 
'não gosto'​
Por Tânia S. Ferreira
(2020; tropismos; 1' 10'')
'o senhor roberto'
Por Petra Oliveira
(2020; personagem redonda; 1' 49'')
'o vento sobre ti'
Por Tânia S. Ferreira
(2020; cartas de Nougé; 1' 42'')

'salvação'
Por Camilla G. B. Amaral
(2020; cartas de Nougé; 1' 22'')

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